Hoje esse tema é um assunto que eu acho muito pertinente para o momento atual, e também para qualquer momento da vida. Mesmo que a gente medite há muitos anos, a calma é algo que sempre temos que estar cultivando e buscando. Viver a calma é algo muito necessário.
No modelo que nós estamos vivendo agora, que é o “modelo da pandemia”, nós estamos com muitas demandas com os nossos filhos e com todas as demandas de dentro de casa. No entanto, no modelo que existia antes na pandemia, pode ser que o nosso entorno familiar também pudesse estar um pouco agitado. Nós vivemos um modelo de uma agenda normalmente muito cheia de coisas. Então, o que é que podemos fazer para lidar com essa agenda?
Tem duas palavras que são essenciais para que possamos oferecer para as crianças o lugar da calma: a respiração e a meditação. Elas são chaves para que nós possamos, como adultos, acionar esse lado da calma, e para que a criança também possa entender e conhecer como é esse lugar.
Então, enquanto adultos, o que nós precisamos é de treinamento, para que primeiro nós cada um de nós acesse essa calma dentro de nós mesmos. O primeiro item que nos ajuda são os hábitos familiares. É muito importante observarmos como temos organizado nossa casa. Você tem procurado criar um ambiente em que a criança possa vivenciar esses momentos de calma? Você tem vontade de acionar essa calma na sua vida e na vida de suas crianças?
Eu vou contar uma história: eu tenho uma aluna que fez o curso comigo sobre “Como ensinar ela para crianças”, e ela me contou que a casa dela de manhã era um caos: criança indo para a escola, ela saindo para malhar, o marido para trabalhar… E ela falou que as crianças ficavam estressadas, não queriam acordar e sempre aconteciam umas confusões. Só que quando ela decidiu que iria colocar na rotina dela a meditação diária, ela percebeu que conforme ela meditava, esse entorno familiar foi se transformando.
A maneira como ela os acordava mudou, porque ela também estava agitada no meio daquilo tudo, porque também acordava meio atrasada. Enfim, eles foram organizando o ambiente familiar de uma forma que já não era mais tão estressante, e o dia deles se modificou, porque eles começaram a conversar sobre isso. Tanto que as crianças dela de vez em quando meditam com ela. É muito valioso observarmos se precisamos mudar nosso ambiente familiar. Pois, as mudanças podem criar na criança uma leveza: ela vai ver calma nesse ambiente, vai ver o exemplo daquele que está meditando, daquele que está respirando, e ela vai querer aprender, por que as crianças gostam dessas atividades.
Uma outra coisa que também ajuda muito é observarmos o que pode estar acontecendo com as crianças, o que pode estar fazendo com que elas apresentem uma maior agitação ou nervosismo, e conversar com elas. Às vezes, com uma conversa, o alívio da sensação na criança pode ser automático.
Eu lembro de um dia que eu fui buscar minha sobrinha-neta Tetê na escola. Eu cheguei lá e ela estava muito brava: ela não deu tchau para a professora, ela não deu tchau para a pessoa que estava no portão, que sempre dá tchau para ela com a maior alegria, ela não falou oi para mim… Ela estava realmente muito nervosa. Aí ela entrou no meu carro e eu falei assim: “Tetê, eu tô sentindo que você não está legal. Você quer conversar com a tia Cris sobre isso?” E ela falou: “Não, não quero conversar com ninguém.” Aí eu falei: “Então, tá bom.” E aí nós continuamos.
Quando ela chegou aqui em casa, a gente foi molhar as plantas, que ela adora, e enquanto nós estavamos molhando as plantas, eu falei: “Agora você quer me contar o que está acontecendo?” E ela me contou que ela estava muito chateada com um amigo da escola. Ela me contou a história e aí eu falei: “Você vai contar para a mamãe, você quer que eu conte para mamãe, o que você prefere? Porque é legal a mamãe saber o que está acontecendo com você.” E ela falou:
“Vamos nós duas contar para a mamãe.” Foi tão incrível, porque só o fato de nós termos feito coisas juntas e dela ter dado conta de me contar o que aconteceu, que ela estava chateada com esse amigo e que a iriamos conversar com a mamãe, ela mudou totalmente. A criança é muito rápida para mudar! Às vezes, só de conversar, de estar ali presente, mostrando: “Olha, eu estou aqui, se você quiser me contar, quem sabe a gente consegue resolver”, isso também pode colocar a criança num outro lugar.
Porém, tem duas coisas que eu gostaria de dizer: existem professores e pais que querem levar a calma para as crianças, e tem os outros que querem ficar no piloto automático, que têm as agendas cheias e que não estão pensando nisso. Cada pessoa está onde ela dá conta de estar. E nós, enquanto educadores, temos que ter respeito em relação a isso. Nós podemos também ter crianças que, mesmo que as famílias meditem e façam atividades, às vezes vão apresentar alguns sintomas que não são tão calmos assim. Da mesma forma, você pode ter crianças que têm um entorno familiar mais agitado, mas que é calma. Então, em vez de julgarmos as pessoas que não estão sendo calmas, o que podemos fazer enquanto educador? Vamos partir agora para uma parte bem prática, que me encanta muito!
Em estúdios de yoga, naturalmente, a criança já vai ter momentos em que ela vai acionar essa calma dentro dela. O que o professor de yoga pode fazer se a criança tem mais dificuldades para acionar a calma é orientar os pais, orientar a criança e oferecer atividades que elas possam fazer em casa. De repente, antes de dormir, na hora de acordar, ela pode fazer uma respiração ou fazer um exercício de yoga… Por exemplo, a respiração em que soltamos o ar pela boca é um exercício maravilhoso para a criança fazer antes de dormir e na hora que acorda. Antes de dormir, ela vai se preparar para o sono, e na hora que ela acorda, ela vai se preparar para o dia.
Para o professor da escola, é muito importante ter isso na entrada da aula. Às vezes, são 30 segundos ou um minuto. Tem alguns professores que podem ter a sensação de que “parece que eu vou perder tempo para respirar”, mas na verdade, você vai ganhar tempo. Porque quando a criança se concentra para fazer uma respiração ou um exercício de yoga, ela vai estar mais preparada para aquele conteúdo que você vai desenvolver. Muitos professores veem a diferença quando eles começam a fazer essa prática em sala de aula. Você pode fazer no início, ou quando as crianças chegam do recreio mais agitadas. E quando você terminar a sua aula, antes deles irem para casa, é maravilhoso fazer uma atividade calmante.
Em relação à casa, tem pais e mães que já têm um momento de meditar, que escolhem acordar antes de todo mundo e fazer sua prática de meditação, às vezes de 5, 10 ou 15 minutos. Essas pessoas percebem uma diferença enorme no dia delas, e as crianças estão vendo o exemplo. E elas estão vendo também como que o pai e a mãe ficam, já que eles se dão esse tempo. Vale pelo menos tentar aplicar esse hábito de fazer uma breve respiração com as crianças na hora que acorda.
Antes da refeição, também é uma boa oportunidade de você respirar e de agradecer aquele alimento. Pode ser que você goste de fazer orações do alimento, mas se você não tem o hábito de fazer a oração, você pode parar e respirar, porque a digestão vai ser outra. E a criança também vai criar o hábito de perceber: “Poxa quem fez esse alimento? Vamos agradecer. Quem ficou na cozinha, cozinhando com todo o amor? Vamos agradecer aquele que plantou esse alimento até ele chegar na mesa.” E isso também é uma técnica maravilhosa para você despertar a calma na criança, porque ela vai parar para poder sentir o alimento que está na sua frente. Ela vai estar ali sentada e vai se colocar nesse lugar da gratidão pelo alimento, da gratidão por aquele que preparou o alimento. Mesmo que seja uma rotina com muitas atividades, acontece algo muito especial, essa rotina vai ficando mais leve e mais tranquila.
Uma ideia maravilhosa é: enquanto um adulto brinca com a criança, aquela ou aquele que não está com a criança poderia ter o seu espaço para sentir a calma, para meditar, para relaxar, para respirar ou caminhar na natureza. E depois, vocês trocam. Às vezes, isso é uma questão de uma organização da família, de criar na agenda uma forma para que isso aconteça, para que a criança possa perceber que os adultos estão criando um momento para que todos da família possam ter esse tempo para entrar no seu mundo interior e sentir essa calma.
Agora, eu gostaria de dar um exemplo de uma atividade que é maravilhosa para desenvolver a calma na criança, e é legal porque é uma brincadeira. Toda criança adora um sapo! Então, você fica pulando com seu filho que nem o sapo: pula, pula, pula bastante. Aí depois que a criança se divertiu pulando, é hora de ficar calma, respirando que nem um sapo. Daí vocês podem sentar exatamente como um sapo, com as mãos bem abertas. A criança vai respirar enchendo o barrigão do sapo e depois vai relaxar, soltando o ar e murchando o barrigão do sapo. As crianças amam! E é um exercício ótimo para fazer quando eles estão mais agitados. E eu falo assim para os meus alunos: “Olha, tem uma coisa muito importante que eu quero ensinar para vocês.” E aí eu digo que esse sapo que eu estou ensinando é muito esperto, e que ele só respira com os olhos fechados. A criança adora saber essas coisas diferentes. Com isso, você vai desconstruir algo que ela já tem na mente dela e vai oferecer uma atividade lúdica, que ela vai brincar e vai relaxar.
Tem também um outro exercício que eu amo! Quando vocês puderem, vão para algum lugar na natureza, onde tenham passarinhos cantando e onde tenham árvores. Aí você vai tentar descobrir, com o seu filho: Qual será o pássaro que está cantando? De repente, você descobre que é o bem-te-vi. Aí você, como adulto, imita o pássaro e fica falando “bem-te-vi, bem-te-vi”, e sai correndo para se esconder. Você vai continuar cantando para a criança descobrir onde você se escondeu. E aí depois troca, a criança que vai falar “bem-te-vi, bem-te-vi” e você vai tentar achar a criança. Na escola, você também pode fazer isso com seus alunos, e aí você pode sortear se não der para todo mundo ser o pássaro.
Aí, depois, você vai dizer para a criança que você descobriu que, muitas vezes, antes do bem-te-vi sair cantando, ele também respira. Então, você vai sentar e fazer alguma respiração que você goste de fazer com a criança. Essa atividade na natureza tem todo um processo: o momento de chegar na natureza, de sentir o local, de descobrir quais são os passarinhos que estão cantando, de cada um tentar ver se você conhece esse passarinho… E se alguém não conhecer, não tem problema, porque vocês podem imaginar que seja o bem-te-vi.
Uma outra coisa que é maravilhosa e que acolhe muito é o abraço. Quando a gente abraça uma criança, às vezes é tudo o que ela está precisando. Tem vezes que ela não quer, porque está chateada, está nervosa ou está fazendo birra, e aí você pode tentar dizer: “Olha, tudo bem que você não queira, mas a hora que você quiser, eu estou aqui. Eu queria te dar um abraço, para você sentir um aconchego.” E aí, se depois você oferece de novo, com toda a paciência, pode ser que, em outro momento, ela aceite.
Quando a gente consegue trabalhar com a nossa paciência, trabalhar com a nossa calma interior, com jeitinho, podemos ir tentando oferecer para a criança algo que vai ajudá-la a acionar esse lugar da calma. Quando buscamos praticar essas boas intenções, de usar nossa criatividade, de usar nossa vontade, de querer realmente oferecer a calma para criança, o universo conspira ao nosso favor e, de repente, acontece de você ter uma ideia que você mesmo fala: “Nossa, que legal! Eu fui tão criativa ou eu fui tão criativo, que ele até topou esse abraço, ele topou essa brincadeira, ou ele topou respirar.” Ou que ao menos você sente que ele vai querer logo, porque cada criança tem seu tempo de um jeito diferente.
Por isso, eu queria finalizar falando uma coisa muito importante. Esses dias, eu estava assistindo, na internet, um pai fazendo uma atividade com os filhos. Era muito bonita a relação dele com os filhos, e ele estava falando que ele percebe que o mais importante para que ele possa conseguir ter essa relação é a paciência. E que ele procura criar na casa dele os limites, as regras, de uso de computador, de uso da internet, de uso do celular… Eu tenho uma amiga que também fez isso e eu tiro meu chapéu para ela, porque os filhos dela eram grandes, com 16, 17 anos, e ela conseguiu que eles tivessem horário para usar o computador e a internet. Para ela conseguir isso, ela teve que desenvolver muita paciência e foi mostrando o que aquilo causava na vida deles.
Então fica aqui, como uma mensagem final, de você tentar criar esses novos hábitos no seu ambiente familiar. Para que, quando a criança esteja com você, ela sinta que ela pode acionar essa calma, que está dentro de todo mundo. Todo mundo é calmo em potencial, não existe nenhuma pessoa no planeta que não tenha calma, que não tenha paz, que não tenha qualquer outra bela qualidade. Só que a paciência é importantíssima, seja para um professor de yoga, para um professor de escola ou para as famílias, para que a cada um possa ajudar a criança a acessar a calma que mora no coração dela.
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